Peregrinos: caminhar em segurança

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A fé, a comunhão com os outros e com Deus ou cumprimento de uma promessa são algumas das motivações que levam todos os anos milhares de pessoas a percorrer centenas de quilómetros a pé em direcção a Fátima para o 13 de Maio. Uma caminhada na qual a saúde e a segurança não podem ficar esquecidas.

Embora de origem desconhecida, talvez esta frase resuma o que vai na alma de grande parte dos caminhantes: “Peregrinar é rezar com os pés e com o coração.” Mas embora o caminho seja marcado por preocupações mais espirituais do que terrenas, é importante que o caminhante não descure as necessidades do seu corpo e a sua segurança.

António Sousa, coordenador da Plataforma Regional de Emergência 3 da CVP e responsável pela coordenação da “Operação Fátima”, recorda-nos que a preparação da caminhada tem de começar bem antes de pôr pés a caminho. O mais importante passo para o sucesso desta missão é mesmo ter um plano.

E o plano passa necessariamente pela preparação de toda a logística que implica uma caminhada de vários dias ao relento: verificar o estado do tempo, pensar de antemão no sítio das dormidas, na questão da alimentação, perceber onde estão – e que serviços existem – nos postos de apoio ao longo do caminho e conhecer os cuidados básicos de saúde e de segurança que devem ser tidos ao longo do caminho.

Pés a caminho!

Como refere António Sousa, a indicação dos cuidados a ter durante a caminhada é sobretudo relevante para aqueles que a farão pela primeira vez e que, como tal, nunca tendo passado pela experiência podem ter mais dificuldade em calcular todos os imponderáveis que podem surgir.

Aliás, precisamente no seguimento dessa dificuldade, Andreia Padre, coordenadora-adjunta de Marketing, deixa também um conselho sensato: quem vai fazer a peregrinação pela primeira vez não deve ir sozinho (sozinho não no sentido de sem mais ninguém, mas no sentido de ir um grupo sozinho sem ninguém com experiência). Nessas situações, uma hipótese é o peregrino ou peregrinos estreantes juntarem-se a grupos já organizados e com um certo suporte logístico, por exemplo, uma paróquia.

Seja para estreantes ou para veteranos, nunca é demais relembrar os cuidados básicos. Começam com a escolha de roupa e calçado adequado, dependendo das condições meteorológicas que vão enfrentar – de forma a ir preparado para a chuva ou para o calor e para o sol, situações distintas que levantam desafios bem diferentes.

Hidratação é uma das palavras de ordem.“Aconselhamos sempre que, se o tempo for quente, o peregrino deve hidratar-se bem à base de líquidos não açucarados (não sumos nem bebidas alcoólicas), usar protector solar sempre e levar chapéu. E como começa a acontecer muitos peregrinos levarem crianças, com elas esses cuidados têm de ser redobrados”, frisa António Sousa.

Um outro conselho importante é apostar em caminhadas curtas, que não levem à exaustão. Como lembra o coordenador da Plataforma de Emergência, é preciso não perder de vista que esta caminhada é diferente das caminhadas que habitualmente se fazem por desporto: “Essas fazemo-las num dia e no outro dia já não estamos sujeitos à exaustão e ao esforço.” Quem vai passar quatro, seis ou mesmo 10 dias a caminhar, descansando pouco e por vezes dormindo mal tem de se poupar para no dia seguinte estar apto a continuar.

“Sugerimos que façam mudas de calçado e de meias frequentemente, aproveitando os intervalos entre as tais curtas caminhadas e, se possível, fazer também a lavagem dos pés e uma pequena massagem nos postos de apoio”, explica António Sousa. Estes cuidados são absolutamente essenciais para que se façam menos flictenas (as chamadas bolhas) que são um dos grandes problemas dos peregrinos e que, além de dolorosas, podem vir a provocar outros problemas mais tarde.

Um por todos e todos por um

Hoje em dia, felizmente, a maior parte dos peregrinos já fazem o seu plano de peregrinação. De resto, é cada vez mais vulgar haver grandes grupos que já vêm acompanhados tanto na área da saúde, como da logística e que trazem camiões e carrinhas, com os colchões e tendas necessários à pernoita.

Mas nos últimos anos tem começado a haver também modalidades de peregrinação mais “modernas” com peregrinos que, embora fazendo todo percurso, vão dormir a casa. Ou seja, vai um familiar ou amigo de carro buscar o caminhante antes do cair da noite de forma a regressar a casa onde janta e dorme e, no dia seguinte, voltam a deixá-lo exatamente no mesmo sítio onde parou no dia anterior, retomando a caminhada a partir daí. “A grande vantagem desta modalidade é que assim os peregrinos não estão completamente exaustos, sem terem recuperado do esforço e das noites mal dormidas”, refere António Sousa.

Mas não basta vir em grupo, é preciso que o grupo cuide dos seus membros e que haja respeito por cada um dos elementos. O coordenador da plataforma de emergência refere que todos os anos surgem situações de pessoas que partiram num grupo (seja ele de 50 ou de 500 pessoas) e que a dada altura do percurso se vêem sozinhos. “A tendência por vezes é que aqueles que têm mais preparação e vão à frente acabam por esquecer os que têm menos,  que vão sendo deixados para trás, e os elementos dos grupos vão-se distanciando”

Este pode ser um problema a vários níveis: por um lado, se a pessoa não se sente bem, está sozinha e pode não ter forma de dar o alerta, por outro há o problema de eventuais assaltos, sobretudo à medida que a noite se aproxima.

Em peregrinação, e para evitar que alguém se perca, talvez o mais acertado seja mesmo seguir uma regra de segurança muito eficaz que quem já esteve no deserto conhece bem: cada um deve manter os olhos, não em quem vai à sua frente, mas em quem lhe segue na cauda.

Evitar erros frequentes, evitar excentricidades

No terreno há mais de 50 anos a apoiar os peregrinos, a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) tem postos de apoio entre 30 de Abril e 13 de Maio numa operação que envolve cerca de 4 mil voluntários.

O apoio principal passa pela lavagem, massagem e tratamento dos pés, no entanto, como nos explica António Sousa, alguns postos têm também a valência de primeiros socorros, cuidados de enfermagem ou médicos, além de haver também casos em que têm especialistas como fisioterapeutas e podologistas.

Há tantos anos no terreno, muito têm visto, em termos de comportamentos menos sensatos. Alguns são relativamente vulgares, como não seguir em fila indiana, não respeitar a regra de ir contra o trânsito, praticar a automedicação e autotratamento, não respeitar os limites do seu próprio cansaço ou apanhar insolações por falta de precauções com o sol.

Mas calculando que não faltam histórias sobre peregrinações menos convencionais, perguntámos que grandes disparates ou excentricidades já viram os peregrinos fazer…

António Sousa emenda-nos a mão, referindo que um dos princípios da Cruz Vermelha é apoiar cada um sem fazer julgamentos ou juízos de valor. Ainda assim, refere que na verdade, já houve situações que independentemente da opinião que se (não) tenha sobre elas podem, trazer complicações para os peregrinos ou para quem está na rua a apoiá-los.

Exemplo: peregrinos que decidem fazer o percurso (em alguns casos de cerca de 250 quilómetros) em marcha a ré, ou seja, a caminhar de costas, sofrendo várias quedas. Outro exemplo: peregrinos que fazem a promessa de caminhar a cumprir com um voto de silêncio e não abrem exceções para falar mesmo não se sentindo bem e precisando de assistência, tornando o diagnóstico e o encaminhamento da situação mais complicado. E outros não faltam, como decidir levar a cabo a peregrinação descalço ou optar por ir sem um cêntimo no bolso.

Nesta caminhada a saúde, segurança e sensatez são ingredientes que devem ser somados à fé… a bem de uma santa caminhada.

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